Thursday, June 12, 2014

O circo chegou

Não pretendia sair hoje, mas surgiu um imprevisto e tive que encarar o clima de abertura da $$$$. Policiamento ostensivo - porque não temos sempre toda essa segurança nas ruas? Mesmo assim, rolou manifestação contra (ou depredação, seria mais correto) no Centro, as imagens são da agência da Caixa, na Borges de Medeiros quase esquina com a Ponte de Pedra. Também arrancaram várias placas que estavam posicionadas na praça onde fica a ponte. :P (Em Porto Alegre/RS/Brasil)

Monday, June 9, 2014

Inclusão Social

Inclusão social, expressão tão em moda, me fez lembrar de dois inclusos no cotidiano do nosso bairro. Moro no Centro Histórico, perto da Usina do Gasômetro. Na época em que estes rapazes circulavam por aqui, ainda existia a Vila do Chocolatão, que pegou fogo mais de uma vez, mas seus moradores não arredavam o pé, pois ali queriam ficar (até que ela foi "transferida" para o Morro Santana).

Caveirinha era um guri franzino, adolescente que morava no Morro X (não recordo o nome) com a mãe, mas passava longas temporadas na casa da avó, na rua Fernando Machado. Tinha um revólver e com ele, assaltava constantemente os moradores da região. Quando meu filho ganhou um "tênis importado" do pai, foi todo faceiro brincar na Praça do Alto da Bronze e lá, Caveirinha o intimou com a arma a ficar descalço e levou o par de tênis, fresquinho, ainda com cheiro de loja. Fiquei P da cara, a princípio com o pai dele por dar um presente tão caro que despertava a cobiça dos assaltantes, depois com o filho que saiu desfilando com o dito. Na verdade, nenhum deles teve culpa, a culpa seria de quem? Da sociedade? Mas o que é a sociedade, senão todos nós?

Considerações filosóficas à parte, fui até a casa da avó do ladrão. Ela lavou as mãos: "Ele não mora comigo, a senhora tem que falar com a mãe dele lá no morro ou ir na delegacia dar queixa". Fui dar a queixa, registrada e arquivada, mas totalmente inútil, já que nada aconteceu com o guri nem os tênis foram recuperados, pois já deviam ter virado loló. Passou o tempo, minha raiva esfriou, deixei pra lá, mas continuava ouvindo relatos das façanhas do Caveirinha, que parecia estar acima da lei e da ordem.

Até que muito depois, ficamos sabendo que ele surgiu morto, na beira do Guaíba. Fiquei triste, chorei? Não vou ser hipócrita, a primeira coisa que veio à minha cabeça foi "bem feito"! Alguém sentiu-se muito ofendido com as armações dele e resolveu frear suas atividades criminosas. Não aceito a desculpa de "falta de oportunidades", a avó tinha boa situação financeira, mas não soube educá-lo - nem a mãe que o pariu.

Deusinho (o que ela fazia pra ter essa alcunha, não tenho ideia) era um errante, às vezes, alojava-se na Chocolatão. Estava sempre batendo à nossa porta, pedindo comida, bebida, moedas, roupas, no que era prontamente atendido, porque nunca negamos ajuda a quem a pede, tradição herdada de nossos pais. Costumava sumir e voltava com um sorriso enorme, sua marca registrada. Num desses retornos, ele veio acompanhado de uma moça com uma criança no colo, todo orgulhoso dizendo que era seu filho. Conversa vai, conversa vem, ele pede uma caixa de leite e fraldas descartáveis. Sou a favor da amamentação ao seio, não gosto de comprar leite de vacas torturadas e defendo o uso de fraldas de pano, mas a argumentação ali seria perda de tempo. A criança já estava desmamada e onde lavariam as fraldas na vida errante que levavam? Comprei os dois itens e dias depois entreguei-os a ele.

Para minha surpresa, houve reclamação: "Ô, tia, o leite era pra ser integral e as fraldas tinham que ser do tamanho PP!" Quase esbocei uma desculpa, mas parei a tempo. Não disse nada, mas não contribuí mais. Até porque, ele não apareceu novamente com a criança e a mulher.

Um dia, andando pela rua Demétrio Ribeiro, enxerguei-o um pouco à frente, parecia drogado, cambaleante e aproximou-se de mim, com uma faquinha, pronto pra me assaltar. Mas quando chegou bem próximo, me reconheceu, fez uma cara espantada e afastou-se, envergonhado. Muito tempo depois, soubemos que também foi encontrado morto.

Não pensei "bem feito". E explico o porquê. Em primeiro lugar, ele não agrediu a mim nem à minha família diretamente, o que teria feito nascer a necessidade de vingança, tão comum no ser humano - a desforra. Em segundo, porque era verdadeiramente um "desvalido da sorte", sem família, sem arrimo, andarilho, perdido nas ruas, vivendo de esmolas e crimes, não sei se pequenos ou grandes.

Conclusão: Muitos clamam por oportunidades e ninguém as dá, mas seguem lutando. Outros cansam de esperar por elas e desistem. Alguns as têm, mas não as aproveitam.

P.S.: minha cidade é Porto Alegre/RS/Brasil.