Saturday, August 30, 2008

Benemerência



Na edição de ZH de ontem, sexta-feira, 29, vem encartado um guia da Expointer 2008 - leia-se um guia para o circo de atrocidades contra animais - entre elas, um "leilão do bem":
"Na quinta-feira, 4 de setembro, às 19h30min, a Casa RBS será palco de uma noite solidária.
É o Leilão do Bem - Desfile de Moda em Couro.
O evento é uma parceria entre o Canal Rural, a estlista Liliane Richter e a Fenac. Na passarela, grandes nomes do jornalismo do Grupo RBS vão desfilar a coleção de inverno e tendências da moda em couro para o verão 2009. As peças serão leiloadas e a renda destinada a instituições de caridade.
Tânia Carvalho (foto) e Tatata Pimentel apresentarão o evento. As vendas serão comandadas por Alexandre Crespo."
Detalhe da foto (não registrada aqui) : a apresentadora veste um casaco feito com couro e tem um bicho (?) enrolado no pescoço (aparenta ser uma raposa...). Como jornalista, a referida senhora deveria estar mais bem-informada sobre a tendência mundial de evitar o uso de peles, que são literalmente arrancadas dos corpos dos animais, causando-lhes enorme sofrimento; não justifica-se o uso de peles para aquecer o pescocinho das madames num inverno nem tão rigoroso assim... mas é tão chic, não?
Pode ser até que ela venha com aquela manjada desculpa de que a pele é sintética, mas o casaco tenho certeza de que é do mais puro couro bovino (muuuuuuuuu!).
A notícia me levou a pensar sobre a incoerência de fazer caridade para uns utilizando a dor e o sofrimento de outros.
Tal Feira perpetua a cultura do uso e abuso de animais e as crianças, que adoram admirar as vaquinhas e os boizinhos nesse evento, será que permaneceriam saltitantes e sorridentes se os pais mostrassem a elas o que ocorre num matadouro, ou seja, como aqueles bichinhos fofos viram comida no prato? Lembro que quando era pequena e comia meu bife a milanesa, não tinha a menor idéia de como aquele alimento chegava à nossa mesa, aliás, nem pensava nisso, já que minha mãe escolhia o que julgava o melhor para a minha alimentação e eu, simplesmente... comia!
Ingenuamente, as crianças absorvem o ensinamento de que os animais são matéria prima para os hamburgers e milkshakes, sem nenhuma noção de ética embutida na lição.
Hamburgers e milkshakes são os principais itens do cardápio do McDonald's e a maioria das crianças são apaixonadas por eles - sem saber que o sofrimento das vacas proporciona a existência desses petiscos, também desconhecem o excesso de gorduras e aditivos artificiais que vêm como ingredientes das McDelícias.
E hoje, sábado, 30, circulando por um shopping center, vi que era um McDia Feliz, quando a renda obtida com a venda do Big Mac é revertida para instituições que tratam de crianças com câncer.
Como nossa civilização chegou ao ponto de ter um número tão grande de crianças doentes?
A resposta caberia em muito mais espaço do que esse post, mas uma parte dela seria que empresas como esta são causadoras de problemas de saúde que afligem a infância e a adolescência no mundo inteiro, já que o vírus mcdonaldiano foi exportado dos EUA para o resto do planeta, criando uma epidemia que ninguém pensa em extingüir.
Sabe-se que uma das principais causas de câncer é o junky food, nos moldes do disseminado por essas lancherias, sendo que há crianças que batem pé e só aceitam tal tipo de dieta.
Essa espécie de benemerência soa como tapar o sol com a peneira... ou desvestir um santo para vestir outro (dizia minha avózinha).
E, para minha surpresa, vejo no interior dessa lancheria, num palco improvisado, com cara de sono e a indefectível touca de lã, Nei Lisboa, incentivando o público a consumir muitos bigmacs, apadrinhando a campanha com melodias que as crianças não identificavam, mais interessadas nos balões e outros artifícios para atrair sua fugaz atenção.
Porque o espanto ao deparar com a cena?
1) vejo o cara que gravou Pra viajar no Cosmos não precisa Gasolina e Carecas da Jamaica, de repente ali, cercado por balões, cantando pra incentivar um projeto manipulador de uma multinacional sacana que vende lixo - ficou visível demais minha decepção?
2) pra quem não conhece o sujeito, uma vaga idéia ouvindo a crítica: "o nome de Nei Lisboa vem carregado de lendas, de histórias e de uma força quase mítica. O veterano trovador, que faz de Porto Alegre a principal personagem de suas canções, pode ser classificado, sem medo de errar, como uma espécie de Bob Dylan do Sul."
Não gostei de ver o Bob Dylan do Sul trovando no Mc Donald's... tá certo, ele pode alegar que é benemerente, assim como o desfile de casacos de couro é por uma boa causa, então, o que fazer se os fins justificam os meios?

Friday, August 29, 2008

Little boxes 2


Aproveitando uma pergunta que me fizeram no post anterior (está nos comentários, mas muita gente nem os lê), sobre a existência de uma enorme variedade de cannabis e que apenas uma teria o THC, sendo que as demais poderiam servir como alimento:


Há poucos dias recebi um e-mail de um grupo/lista do qual faço parte, dizendo o seguinte:


"Tipo 1 - Leite de semente de maconha (kanhamo): Existem 36 tipos de maconha, somente uma tem THC, todas as outras se pode consumir como alimento. Aqui na Europa (a autora vive na Espanha) todas as lojas de produtos naturais vendem pois é 3 x melhor que a linhaça, pois além do +Omega 3 e o 6, o Kanhamo tem ômega 9.

Estudos nutricionais dizem que é o alimento mais parecido com o leite humano, tem cálcio e alto teor de proteína. Tem também gosto forte; necessariamente se deve colocar uma banana.


Receita do 'leite":
6 colheres sopa de kanhamo

2 copos de água

1 banana

Modo de preparo:


a) Bater em um liquidificador a semente e a água;


b) Coar num tecido fino, tipo fralda de bebê;


c) Limpar o liquidificador e bater o leite com a banana.


Detalhe: esse leite ela deu para seu bebê, que estava começando a experimentar alimentos novos, além do LM (e a criança aprovou o sabor).


Vivendo e aprendendo, não?


Aliás, esse grupo é muito legal, recomendo participar, tem dicas incríveis de alimentação.
Ver em: http://www.comidaecologica.com.br/ - Lista Receitas Ecológicas
***********************************
Site e blog de Portugal sobre o cânhamo, com informações nutricionais e venda de produtos, não só alimentícios:
Uma Receita para Leite de Cânhamo (do blog acima):
(Ingredientes Crus, Vegan, Sem Glúten nem açúcar)
Ingredientes:
100 g de sementes de cânhamo biológica com ou sem casca
25 g de amêndoas biológicas
1-2 colheres de chá de canela (opcional)
1 gota de extrato de baunilha biológica
Preparação: Coloque as sementes e amêndoas de molho 24 horas em ¼ de litro de água. Não precisa aquecer (aliás, não o faça). Depois triture as sementes e amêndoas no liquidificador, deve ficar tudo o mais triturado possível. Adicione depois mais ¼ de litro de água. Se desejar adicione agora a canela em pó (max. 2 colheres de chá) o extrato de baunilha (max. 1 gota, se puro). Filtre a mistura (através de um tecido ou outro filtro). Deixe repousar durante uma hora e está pronto. Dura 2 a 3 dias.

Wednesday, August 20, 2008

Little boxes


Little boxes on the hillside


Little boxes made of ticky tacky


Litlle boxes on the hillside


Little boxes just the same...




Quem já assitiu a Weeds, certamente conhece a melodia acima, que caracteriza essa série televisiva totalmente fora do manual!


Caixinhas espalhadas pelas colinas, feitas de ticky tacky (material usado na construção desse tipo de moradia fabricada em série lá nos EUA), casas como caixinhas todas iguais!


O subúrbio norte-americano, fenômeno surgido após a 2ª Guerra, pasteurizou a família classe média, que abandonou o centro das metrópoles para viver o sonho da casa própria, em colinas distantes dos arranha-céus. Casas iguais, carros iguais, comportamento idêntico, bando de ovelhinhas que na verdade escondem lobos no interior de seus lares, pois a aparência asséptica e bem-educada... não passa de mera aparência.


Pegando esse gancho, Weeds (leia-se erva, maconha, marijuana, diamba, cannabis, baseado, fininho, marvada, baura, marofa, jererê etc) usou a maconha como estandarte, mas o roteiro não é uma apologia ao seu uso, como muitos precipitados podem imaginar, mas aborda através dessa planta a hipocrisia.

Sim, a hipocrisia que prolifera no subúrbio, uma célula representativa da nossa sociedade: ênfase em manter aparências, sejam sociais, políticas, econômicas, comportamentais, sexuais etc.


A ideia-mãe: jovem e bela moradora de um subúrbio norte-americano, fica repentinamente viúva, com dois filhos para criar, contas a pagar, status para manter e não considerando-se habilitada para exercer alguma profissão, usa seus talentos comunicativos para traficar a erva entre os moradores de Agrestic (subúrbio fictício nos arredores de Los Angeles) - note-se que AGRESTIC é um anagrama de CIGAREST - droga bem mais letal, porém legalizada.

Bastante ingênua no início da trama, a doce viúva vai ficando esperta e absorvendo a malandragem de um universo desconhecido e a trama envolve inúmeros estereótipos, como os negros que fornecem a droga, os chicanos que traficam, os maridos e esposas que traem, os filhos que aprontam, mentem e se dão bem, algumas cenas realistas, outras totalmente incríveis, mas todas acabam levando à reflexão. Mesmo sendo uma comédia, Weeds faz o público usar os neurônios, se já nãos os tiver queimado todos...


A questão da marijuana é tratada de forma natural e fica-se com muita informação, como sobre os clubes de maconha medicinal (totalmente legalizados) e o uso da erva na culinária. Inclusive, o DVD da primeira temporada (que apresenta muitos extras), traz algumas receitas, onde na relação dos ingredientes, há sempre a seguinte indicação: 2 tablespoons of spice of your choice!


Traduzi uma delas, que pode ser feita com os temperos (ou condimentos ou ervas) à sua escolha:


BOTWIN BUDDHA BROWNIES


Ingredientes

1/2 xícara (chá) de manteiga sem sal

1 xícara (chá) de açúcar granulado

2 CS de água

100 g de cacau

2 ovos grandes

1 1/2 CS de extrato de baunilha

1 1/3 xícara (chá) de farinha de trigo

1/2 cc de bicarbonato de sódio

1/4 cc de sal

1/2 xícara (chá) de nozes picadas

2 CS de ervas à sua escolha


Como fazer

Pré aquecer o forno a 350º e untar uma forma de tamanho médio. Aquecer o açúcar, a manteiga e água numa panela até ferver, mexendo sempre. Tirar do fogo e juntar o cacau, mexendo até dissolvê-lo. Bater os ovos e adicioná-los, depois o extrato de baunilha - mexer bem a mistura.

Adicionar a farinha, o bicarbonato e o sal (mexer bem). Por último, colocar as nozes e os condimentos escolhidos.

Colocar a mistura na forma e assar por 15 a 20 minutos, inserindo um palito na massa para verificar se está no ponto (ele deve ficar seco). Espere esfriar antes de cortar a massa em quadradinhos.


Para quem ainda não assistiu, a primeira e a segunda temporadas já se encontram nas locadoras e também à venda nas lojas (precinho camarada: 39 reais cada, com 2 DVDs). No Brasil, a série passa no canal GNT e já está na quarta temporada (EUA).


Detalhe: autoria de Weeds é feminina (Jenji Kohan) e a trilha musical é excelente: 'Little Boxes' by Malvina Reynolds é provavelmente o tipo de música que você nunca ouviu antes... muuuuito interessante também é que na segunda temporada, a cada capítulo, essa música é interpretada por um artista diferente com um arranjo diferente, em diferentes ritmos!



Friday, August 1, 2008

A Ilha da Imaginação ou A Ilha de Nim


Nim vive em uma ilha perdida no imenso mar azul-turquesa com seu pai biólogo-marinho, Jack, um iguana-marinho chamado Fred, uma leoa-marinha chamada Selkie, uma tartaruga chamada Chica e uma antena parabólica para enviar e receber e-mails. Ela e o pai moram num endereço desconhecido para o resto do mundo. Mas quando Jack desaparece com seu barco a vela, na busca de um protozoário raro, a catástrofe ameaça sua casa e Nim tem de ser corajosa e executar tudo que aprendeu com o pai, já que a mãe foi engolida por uma baleia quando ela era bebê. Vai precisar da ajuda de seus velhos amigos, e de novos também, como a escritora de livros de aventura com seu herói preferido, Alexandra Rover, que vive também ilhada, mas num apartamento em uma grande metrópole, solitária e cheia de fobias.


Ok, pode parecer o roteiro de um filminho da sessão da tarde, mas é um dos melhores filmes "infantis" a que já assisti, cheio de arquétipos, o que faz com que nos identifiquemos com todos ou quase todos eles.
Coloco aqui alguns insights que tive com ele, compartilhando e esperando que os que também assistirem, deixem suas impressões. Na verdade, meu texto é um spoiler, então se pretendem ver o filme sem saber dos detalhes, leiam meus comentários mais tarde...

1) É básica a colocação de que ambas as heroínas do filme vivem em ilhas: uma delas, selvagem do ponto de vista da constituição física, com a Natureza nua e crua construindo a paisagem onde Nim e o pai se estabeleceram, sem alterar o ambiente, mas adaptando-se à geografia do local ("ecologicamente corretos"). Isolaram-se num universo particular, escondidos da civilização, usufruindo a Vida, não lutando contra ela.
A outra ilha é um ninho dentro da selvageria da metrópole, que engole seus habitantes através dos detonadores de stress constante: as doenças, a poluição, a violência, as máquinas em movimento permanente, fazendo com que Alexandra se isole em seu apartamento, com medo de enfrentar a agitação do exterior, praticando ali todas as suas atividades, mas escondendo-se da Vida.

2) Alexandra sofre de várias fobias e não consegue sair de sua ilha.
Nim é livre e feliz na sua ilha, nem passa por sua cabeça um dia abandoná-la.

3) Alexandra criou uma persona para viver as aventuras (Vida) que ela teme, mas ansia.
Quando rompe seu casulo para correr na direção de Nim, é o sentimento maternal que grita mais forte dentro dela: uma criança desprotegida, abandonada, ferida, precisando de ajuda, faz com que ela supere seus medos, abra a porta e se lançe no desconhecido.
O elo que une as duas é um sentimento tão forte quanto o que une Nim e o pai, que mesmo perdido em alto-mar, supera todos os problemas para voltar à ilha e encontrar novamente a filha.
Acho muito positivo que a força desses sentimentos seja mostrada às crianças, hoje muito desprovidas de valores, como o Amor Incondicional.

4) Quando um grupo de trambiqueiros descobre a posição da ilha e a invade pensando em negócios e lucros financeiros, percebemos o choque de interesses: o santuário natural prestes a ser agredido e poluído pelos procedimentos do capitalismo selvagem (a selvageria da civilização irrompendo na selvageria da Natureza).
A chegada da excursão de farofeiros é hilária (a parte mais divertida do filme), com personagens caricatos (mais arquétipos), cometendo toda a sorte de sandices e comportamentos destrutivos (não para eles, claro, mas para a ilha).
É nesse momento que Nim usa todas as habilidades que tinha suspensas dentro de si, procurando defender seus domínios e também tem um primeiro contato físico com outro ser humano, que não seus pais: um garoto tipicamente mundano.

5) Esse mesmo garoto é o único entre todos os passageiros e tripulação do navio-cruzeiro que tem contato com ela e que garante à Alexandra a existência da menina.
As crianças vêem aquilo que nós, adultos, não mais enxergamos, porque perdemos a fé a e a passagem para a dimensão da fantasia. Por isso, elas são sábias e sabem de muitas coisas que os adultos não conhecem (ou esqueceram, durante seu obtuso e truncado trajeto para a idade da razão).

6) É clara a observação da jornada de Alexandra: ela sai dos EUA com a mala cheia de latas de sopa, gel anti-bactericida, armaduras que supostamente a protegeriam dos flagelos do mundo. Mas, à medida que vai enfrentando desafios simbólicos - o vôo nauseante do avião, as dificuldades de comunicação, o helicóptero no meio da tempestade, o resgate pelo navio e o roubo do bote que a atira no meio do mar revolto - ela vai se despojando de objetos que apenas a serviam na sua ilha particular.
Quando finalmente ela consegue chegar na ilha natural, tem apenas a roupa (quase destruída) grudada em seu corpo. Todas as suas âncoras foram perdidas no trajeto e a nova âncora que surge é a mão de Nim que a retira, numa última etapa , de seu casulo protetor.
Ela desabrocha com uma nova identidade, como a borboleta que nasce.
Interessante notar que sua principal ligação com o mundo, o personagem de seus livros, Alex Rover, também desaparece, pois ela não precisa mais dele

7) Nim também sofre transformações, pois em sua jornada, precisou sobreviver sozinha, sem o amparo da figura paterna e teve seus primeiros contatos com o outro, o estranho, nascendo para um novo relacionamento, o amor materno, simbolizado na figura de Alexandra, que também necessitava manifestar esse sentimento.
Ao receberem Jack, também retornando de sua jornada de crescimento, completam o triângulo: o pai, a mãe e a filha, representando esse trio, os detonadores que impulsionam a criação de uma nova semente para perpetuar a espécie.

É maravilhoso perceber como as narrativas fantásticas contam de uma maneira fascinante a nossa jornada em busca do auto-conhecimento e da evolução.
Um item adicional: na trilha, músicas das bandas Talking Heads e U2.
E as imagens são belíssimas!

P. S.: O filme é baseado no livro A Ilha de Nim, de autoria de Wendy Orr, com ilustrações de Kerry Millard, sendo que algumas delas aparecem na tela. Vou comprar voando para minha filha (e para eu ler, é claro... rs).
Para quem quiser conferir:
http://www.brinquebook.com.br/livro.php?id=304