sábado, 7 de abril de 2007



Chico Mendes e a Amazônia

Ontem terminou a minissérie televisiva Amazônia e foi triste rever a história de Chico Mendes, sua luta pelos seringueiros e sua morte pelas mãos de pistoleiros a mando dos fazendeiros queimadores da mata para criar gado.

Utilizei essa história, a da Amazônia entrelaçada com a de Chico Mendes, como tema do meu trabalho de conclusão do curso de Comunicação Social/Jornalismo, em 1990 e 17 anos depois, vejo que pouca coisa mudou e se mudou, foi para pior.. Pena que se

enrolaram demais nas duas fases iniciais da minissérie, na hora de falar sobre Chico Mendes, tiveram que correr contra o relógio.

Amazônia terminou nesta sexta-feira (6/4) dedicando apenas quatro capítulos à fase adulta de Chico Mendes - interpretado por Cássio Gabus Mendes com muito talento.

A minissérie que prometia contar a história do estado do Acre de Galvez a Chico Mendes, passou correndo pelos fatos contemporâneos. A história de luta do seringueiro, assassinado em 1988, não teve atenção devida na trama.

Uma pena, pois essa história ajuda a entender pq hoje o mundo todo fala, discute e ambiciona nossa floresta.

Chico Mendes, por Zuenir Ventura
Visão (Lisboa), série “Heróis e ícones do século”, 19/8/99.

O país que produziu alguns dos mais famosos mitos olímpicos e dionisíacos deste século - Pelé, Tom Jobim, Ayrton Senna, Ronaldinho - criou também um herói trágico e transformou-o no proto-mártir da causa ecológica, um homem que precisou morrer para ser conhecido em sua pátria, ele que já era, como escreveu “The New York Times”, “um símbolo de todo o planeta”.

De fato, o seringueiro Chico Mendes foi quem mobilizou não só o Brasil, mas também o mundo para a defesa da floresta amazônica, à qual acabaria dando sua vida. Certo de que estava marcado para morrer, ele não só denunciou a trama, como caiu que morreria em vão. “Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte fortaleceria nossa luta, até que valeria a pena. Mas ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver”.

Ele disse isso e pouco depois, às 18h45 do dia 22 de dezembro de 1988, foi assassinado, aos 44 anos, na porta da cozinha de sua casa em Xapuri, uma pequena cidade de cinco mil habitantes no estado amazônico do Acre. “Ele vinha com as mãos na cabeça, todo vermelho de sangue”, conto Ilzamar, que ouviu um estouro e escreveu para o marido. “Quando eu quis pegar no seu braço, ele caiu e ficou se debatendo. Aí vi que estava morrendo”.

Além de 18 perfurações no braço, ele fora atingido no peito direito por 42 grãos de chumbo de uma espigarda de caça. O autor confesso do tiro, Darci, era filho de Darli Alves da Silva, o fazendeiro mandante do crime.

Só então, e diante da grande repercussão internacional, é que o Brasil começou a desconfiar, cheio de culpa, de que tinha perdido o que se custa tanto a construir: um verdadeiro líder.

Como um Gandhi dos trópicos, Chico organizou pacificamente os seringueiros para lutar pela preservação da floresta, que vinha sendo derrubada no Acre desde a década de 70 para dar lugar às grandes pastagens de gado. O movimento de resistência usou uma tática simples e eficaz: o empate, que consistia em impedir os desmatamentos, colocando os seringueiros, seus filhos e mulheres, todos desarmados, entre os peões armados de serras e as árvores.

Hábil político e homem de diálogo, Chico conseguiu também desfazer uma inimizade histórica entre seringueiros e índios, que sob sua influência se aliaram numa grande frente conhecida pelo nome de Povos da Floresta. Condecorado pela ONU e internacionalmente pelas organizações internacionais de proteção ao meio ambiente, Chico demonstrou que era possível promover um desenvolvimento racional para a floresta amazônica, sem transformá-la em santuário intocável, mas também sem devastá-la.

Criou para isso o projeto de reservas extrativistas, espaços para garantir os direitos mínimos que os seringueiros nunca tiveram: escola, postos de saúde, melhores condições de distribuição de seus produtos, maior produtividade de garantia, segurança contra as
ameaças de expulsão dos latifundiários.

Chico sabia que precisava de aliados, não podia ficar isolado em Xapuri lutando contra poderosos interesses de fazendeiros e pecuaristas. Alguns antropólogos e representantes de entidades ambientalistas dos Estados Unidos e da Europa se encarregaram de projetá-lo no circuito internacional.

Em 1987, ele foi o primeiro brasileiro a receber o prêmio Global 500 das Nações Unidas, em Londres. No ano seguinte foi convidado a participar da reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Com o mesmo desenvolvimento com que andava nas ruas toscas de Xapuri ou pelas densas florestas amazônicas, Chico passou a se movimentar por cidades como Nova York, onde chegou a se hospedar no mesmo hotel em que estava o então presidente Ronald Reagan. Os convites de viagens se sucederam e sua causa ficou sendo conhecida no mundo.

Na reunião do Bird, ele convenceu os conselheiros do banco a suspender os financiamentos para a construção de uma grande rodovia no Acre, argumentando que sem as devidas preocupações ambientais a iniciativa seria um atentado à floresta, aos seringueiros e aos índios.

Se por um lado o prestígio externo reforçou a sua luta interna, por outro, pode ter contribuído para sua desgraça. Aplaudidas pelo Bird, pelo Bid e pelo Congresso americano, suas ideias enfrentaram a oposição violenta dos latifundiários, dos madeireiros e dos grandes projetos agropecuários que vivem do desmatamento desordenado da Amazônia.

A fama que ele alcançou junto a instituições e entidades estrangeiras, o seu carisma, tudo isso aliado aos incômodos empates que organizava em Xapuri, deve ter dado a seus inimigos a certeza de que a única maneira de barrar sua ação catalisadora era a morte.

Por isso ele sabia que ia ser assassinado e denunciou incansavelmente a ameaça. “Não quero flores no meu enterro, pois sei que vão arrancá-las da floresta”, escreveu no dia 5 de dezembro numa mensagem-despedida.

“Quero apenas que meu assassinato sirva para acabar com a impunidade dos jagunços, sob a proteção da Polícia Federal do Acre e que, de 1975 para cá, já mataram mais de 50 pessoas”.

Poucas vezes a polícia brasileira conto com uma lista tão completa de acusados, acomodada pela própria vítima. Nem isso, porém, serviu para impedir a morte anunciada.

Chico Mendes acertou quando anunciou que ia ser morto, mas errou ao achar que sua morte poderia ser inútil. Se ela não salvou a Amazônia, serviu pelo menos para intensificar o debate planetário sobre o destino da região. E mais: esse assassinato - antecedido por dezenas de execuções de outros líderes religiosos - servirá para denunciar que em um país rico e extenso ainda se mata por questões de terra.

Aquele estouro que Ilzamar ouviu chegou ao mundo todo. Nunca um tiro dado no Brasil ecoou tão longe.

Mas... existe um outro olhar...

"Os índios são defensores da floresta há milênios, embora não recebam prêmios na ONU, nem monumentos no centro da capital acreana, muito menos papel de destaque numa minissérie sobre a Amazônia. Galvez, Plácido de Castro e Chico Mendes - o branco sente a necessidade de criar heróis para amenizar-lhe a consciência acusadora e para projetarem-se politicamente sobre outros brancos. Índio nunca vira mocinho em história branca."

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