domingo, 25 de setembro de 2011

Apressadamente, o feijão transgênico é aprovado!


O que será que o João vai encontrar quando terminar de subir no pé de feijão transgênico?
Pode ser algo bem mais assustador do que um mero gigante...


Do Centro de Estudos Ambientais

O feijão transgênico está na mesa
setembro 19, 2011

A decisão foi tomada ontem, por 15 pessoas. Não por acaso, quinze também foi o número de membros da CTNBio que endossaram abaixo-assinado na internet que circulou nas últimas semanas pedindo a liberação comercial do feijão transgênico. O autor da petição on-line é o representante do Ministério das Relações Exteriores na Comissão, também relator do processo.

A legislação brasileira estabelece que o envolvimento profissional ou pessoal enseja impedimento em votações nas matérias de interesse, sob possibilidade de perda de mandato. Aquilo que deveria ser entendido como falta de isenção foi defendido juridicamente pela consultoria especializada do Ministério de Ciência e Tecnologia, pasta que abriga a CTNBio, segundo seu presidente, Edílson Paiva. Ao final da sessão, Paiva informou que um procurador da República estava no ministério reunido com os advogados do órgão. A Articulação do Semiárido, a AS-PTA, o Idec e a Terra de Direitos haviam protocolado no MPF representação alertando para o fato.

Cinco integrantes da CTNBio votaram pela diligência, defendendo a realização de mais estudos. Entre eles estava o representante do Ministério da Saúde, que argumentou que com as informações disponíveis será inviabilizada a criação de um sistema de vigilância em saúde que possa identificar potenciais efeitos adversos da nova semente quando cultivada e consumida em escala. Foi voto vencido, assim como os que questionaram a validade dos estudos sobre saúde baseados em apenas 3 ratos de laboratório de uma única espécie, número pequeno demais para se extrair conclusões estatisticamente válidas. Mesmo assim, nesses 3 animais identificou-se tendência de diminuição do tamanho dos rins e de aumento do peso do fígado. Por que? O produto foi liberado sem essa resposta. Apesar dos alertas, a aprovação também ocorreu com a dispensa da exigência legal de estudos em duas gerações de animais e em animais prenhes.

Francisco Aragão, o pesquisador que desenvolveu o feijão modificado, afirmou aos jornais que “foram realizados testes de 2004 a 2010” (Folha de São Paulo, 16/09), que “Fizemos estudos entre 2005 e 2010” (O Estado de São Paulo, 16/09) e que “as pesquisas em campo foram feitas desde 2006” (O Globo, 16/09). Quem abrir o processo enviado à CTNBio, assinado por Aragão, verá, logo nas páginas 17-19, que “os ensaios foram realizados em casa de vegetação e campos cultivados por um período de 2 anos”. A Seção VII do dossiê “Avaliação de risco ao meio ambiente” apresenta dados referentes a 2008 e 2009. Só.

A viabilidade da tecnologia e a durabilidade da resistência ao vírus patogênico também foram colocadas em questão. A primeira geração de sementes originadas do feijão transgênico apresentou até 36% de plantas suscetíveis ao vírus (p. 143 do processo). O que ocorrerá com as sementes comerciais a serem vendidas, também derivadas de matrizes transgênicas? O processo foi aprovado sem essa resposta. A presença de plantas vulneráveis ao ataque do vírus pode acelerar o desenvolvimento de resistência.

Quem estudou o assunto também sentiu falta de uma referência bibliográfica no processo, de 2008, de pesquisadores italianos que estudam tomates com o mesmo enfoque de transformação genética aplicada ao feijão da Embrapa. Lucioli e colaboradores concluem que novas estratégias de engenharia genética são necessárias para controlar o vírus, já que suas pesquisas apontaram para o rápido desenvolvimento de resistência e mutação do vírus. Na mesma revista Nature Biotechnology (dezembro de 2009), Aragão defendeu seu projeto por meio de réplica publicada na seção “carta ao editor”, que foi respondida pela equipe de Lucioli reafirmando, com apoio em outras referências, que a metodologia empregada tem um “calcanhar de Aquiles” que a torna vulnerável.

Já no processo do feijão da Embrapa, protocolado na CTNBio em dezembro de 2010, lê-se que “Não há na literatura nenhum estudo sobre o efeito de uma planta GM semelhante” (p. 329).

Questões apresentadas em audiência pública não foram devidamente respondidas, lembrando que o evento foi realizado na sede da empresa proponente. O mesmo tratamento foi dispensado à análise independente de geneticistas da Universidade Federal de Santa Catarina, encaminhada à CTNBio. Entre outros, o documento aponta genes em duplicidade e critica a apresentação de dados sem a respectiva análise estatística: “Fica claro que a empresa proponente não se porta adequadamente, pois até os estudantes de iniciação científica não ousariam fazer as mesmas conclusões”.

O ministro Aloizio Mercadante chancelou o procedimento. Desconsiderou manifestação do CONSEA e do MPF e alertas de organizações da sociedade civil. Seu representante na CTNBio ouviu exposição detalhada relativa às falhas do processo e aos atropelos às regras da Comissão. Não se manifestou, absteve-se de votar e deixou a reunião em seguida.

Fonte: Boletim da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

Nota do CEA: Para além do que foi destacado sobre reportagem na Folha (diga-se de passagem está num “caderno” intitulado Mercado – Commodities), cabe colar um extrato fabuloso do então cientista, responsável pelo feijão transgênico: “Na média, a perda seria suficiente para alimentar 10 milhões de pessoas”, diz Francisco Aragão, pesquisador da Embrapa e um dos responsáveis pelo projeto.” Cara de pau afirmar algo assim, como se a proposta fosse resolver o problema da fome.

5 comentários:

Paulo disse...

Sugiro uma leitura atenta a muitos dos posts em genpeace.blogspot.com, que trás "o outro lado" desta polêmica do faijão. É muito fácil alinhar-se com aqueles que criticam, o difícil é defender os criticados. Assim foi o caso de muitos cientistas, assim é o caso da CTNBio.
Boa leitura.
Paulo Andrade
(andrade@ufpe.br)

Vera Falcão disse...

“É melhor prevenir do que remediar”. Esta expressão cai como uma luva quando falamos de liberação e consumo de transgênicos.

Consumimos hoje diversos alimentos com ingredientes à base de transgênicos, produzidos para matar insetos e resistir a agrotóxicos. Você deve achar que exaustivos testes foram feitos, e todas as pesquisas que apontam possíveis riscos foram levadas em consideração, para que transgênicos fossem liberados. No entanto, isso não acontece.

Não existe consenso na comunidade científica sobre a segurança dos transgênicos para a saúde humana e o meio ambiente. Testes de médio e longo prazo, em cobaias e em seres humanos, não são feitos, e geralmente são repudiados pelas empresas de transgênicos.

Neste contexto, o Greenpeace considera que a liberação de transgênicos é uma afronta ao princípio da precaução, e uma aposta de quem não tem compromisso com o futuro da agricultura, do meio ambiente, e do planeta.

http://www.greenpeace.org/brasil/pt/O-que-fazemos/Transgenicos/

Paulo disse...

Vera, entendo sua posição de precaução, mas ao contrário do que você afirma, exaustivos testes foram feitos com todos os transgênicos que estão no mercado, ao contrário das variedades geradas por mutagênese ou por outros mecanismos, que nunca passaram por este crivo. Exemplo rematado: o arroz que você consome todo o dia - metade dele ao menos é de uma variedade obtida por mutagênese. Há 2400 outrosb produtos assim no mercado mundial, e ninguém dá atenção. Enfim, consome-se transgênicos há 10 anos sem qualquer relato de problemas (só os boatos de sempre na internet, inclusive alimentados pelo Greenpeace).

Quanto ao consenso entre cientistas,ele é desejável mas não essencial, porque as decisões são tomadas por maioria, como em todo forum científico. Quem toma decisão por consenso é a turma da política. A discordância faz parte da ciência, é a "pulga atrás da orelha", mas para que a "pula" se torne "verdade" (em ciência a verdade é sempre transitória) é preciso que muitos dados comprovando a "pulga" apareçam e que a maioria da comunidade científica se convença, o que não é o caso das desconfianças sobre a segurança dos transgênicos.

Cordialmente
Paulo Andrade
Depto. Genética/ UFPE
andrade@ufpe.br
e
CTNBio

Vera Falcão disse...

Caro Paulo, não sou quem afirma e nem apenas o Greenpeace (nesse post, alguns exemplos: http://foradomanual.blogspot.com/2011/09/transgenicos-fora-do-nosso-prato.html)
E há muitos anos, procuro alimentos nas feiras ecológicas e de orgânicos, sendo frequentadora assídua da Feira dos Agricultores Ecologistas, onde compro o arroz biodinâmico na Banca do Arroz do seu Juarez:

"Em uma propriedade de cinco hectares na localidade de Barra do Ribeiro, seu Juarez e um funcionário plantam todo o arroz que é vendido na feira. “A minha banca é a única, talvez no Brasil inteiro, que venda só arroz”, pondera o feirante. Na propriedade são cultivadas até 26 variedades do alimento. Algumas delas são vendidas na feira: cateto, farroupilha, aromático, quilombola e preto. Cateto é o arroz integral mais consumido. Já o arroz farroupilha é a variedade mais antiga plantada no Rio Grande do Sul, mas não tão conhecida pela população. “Só minha família cultiva o arroz Farroupilha há 74 anos”, afirma Juarez. O aromático é de origem indiana e cultivado por Seu Juarez há 10 anos, ao ser cozinhado exala um aroma que “lembra o cheiro de quando a pipoca está estourando”, compara o agricultor. Já o quilombola é considerado o arroz original, que “originou todos os outros arrozes”. Veio da Mongólia e foi trazido ao Brasil pelos escravos. A variedade foi utilizada nas comunidades remanescentes de quilombos e passada por Sebastião Pinheiro a Seu Juarez, que plantou 1,7 quilogramas e colheu 800 gramas. Por fim o arroz preto, de origem chinesa, que está sendo plantado a campo no país faz dois anos. Na China é o chamado arroz proibido, consumido antigamente somente pelo imperador, por ser um arroz muito nobre.

Para proteção de pragas e insetos, insumos agrícolas como compostos orgânicos e biofertilizantes são usados, uma prática do chamado sistema de cultivo agro ecológico. Os insumos são produzidos na propriedade e a colheita é manual, com secagem ao sol. “Eu consigo fazer todo o processo, da preparação da terra, plantio, cuidados, preparação de insumos, colheita, secagem, armazenamento, beneficiamento e transporte. E entrego aqui na feira na mão do consumidor”, ressalta Seu Juarez."

Quanto ao relato de problemas, como saber que vários deles relacionados com a saúde, como o aumento excepcional de alergias alimentares, não sejam causados pela invasão da transgenia na nossa mesa? A questão é essa, ainda não há como provar e quando conseguirem as provas, muito tempo já terá passado e muita gente terá sofrido, como já aconteceu com tantos outros procedimentos, por exemplo, o uso da GVH, utilizada largamente pela população durante muitos anos, até que um dia, finalmente, as autoridades científicas começaram a afirmar que ela era extremamente prejudicial à saúde (sendo que mesmo assim, não é proibida, encontram-se ainda muitos alimentos preparados com ela à venda).

Vera Falcão disse...

Ou como a vacina Sabin, oferecida às nossas crianças em inúmeras campanhas, mesmo quando no Primeiro Mundo já tinha sido abolida e substituída pela Salk, visto que a primeira, com vírus vivos, acaba tornado-se uma disseminadora de pólio... quantos anos foram necessários, para que, finalmente, em 2011, ela fosse abolida do calendário brasileiro e subtituída?
Tenho extenso material sobre a transgenia aplicada aos alimentos, assunto que me interessa desde o início da década de 90 e, certamente, pouco desse material está relacionado com o Greenpeace... consenso é difícil de ocorrer, mas nem sempre a maioria está com a razão, principalmente quando age apressadamente em busca de lucro e, pior, supostamente para "acabar com a fome no mundo"... sabe-se, que há várias outras maneiras de resolver essa questão, mas todas elas não são muito rentáveis.

E, finalizando, aprecio muito a informação desse parágrafo: "Seria insensato deixar de pesquisar as combinações genéticas. Elas sempre existiram na natureza, em processos aleatórios naturais, o que explica a evolução das espécies, no decorrer de milênios ou de milênios de milênios. Uma coisa seria a aceleração desse processo, mediante a ciência; outra é a introdução na gênese da planta de vetores estranhos, portadores de elementos também a ela estranhos, a fim de torná-la resistente a herbicidas produzidos pela mesma indústria que altera as sementes. Além do desequilíbrio da biodiversidade, com o extermínio de todas as plantas naturais na terra atingida, os agrotóxicos envenenam o solo, as águas e os homens." Mais aqui: Os transgênicos e as razões políticas:http://foradomanual.blogspot.com/2009/04/os-transgenicos-e-razao-politica.html

Vera Falcão
Jornalista e pesquisadora