segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Marxismo raiz

            Na minha adolescência, era comum termos no grupo de amigos e colegas um caderno com diversas questões pessoais, e ao respondê-las, mostrávamos a estrutura do nosso perfil. Uma delas era "pessoas que admira". Entre minhas primas, havia aquela que era amiga íntima e confidente, e respondeu "Marx e meu pai".
            O fato de admirar o pai não me causou surpresa, mas ser fã de Marx, sim. Pouco sabia dele, o básico das aulas de História e talvez até uma visão deformada, o que recebíamos demais nessas aulas. Enfim, ele era socialista. Mas o que seria exatamente ser socialista? Descobri mais tarde que eu era marxista sem saber, o socialismo era praticado dentro da minha casa e principalmente pelas ações da minha mãe. 
        Seria justo ter respondido tal pergunta dizendo que admirava a mulher que me pariu, mas certamente não foi essa a pessoa destacada, aliás, nem lembro qual foi... Beatles, talvez? Possivelmente minha prima não deve lembrar, pois deve ter sido uma escolha comum ao momento em que vivíamos, nada muito especial.
            Mas voltando à dona Sary, minha mãe falecida prematuramente aos 54 anos, desgastada de tanto amar aos outros e pouco cuidar de si. Não que isso seja ser socialista, é um comportamento errado e destrutivo, assim como ser egoísta em demasia e pouco ligar para as misérias alheias. Para ela não existia diferença de cor, classe social ou situação financeira, tratava bem a todos, ajudava qualquer um que lhe pedisse auxílio, era adorada pelos "desvalidos da sorte", que não eram tantos como hoje, mas eram muitos. Ela sentia-se como uma igual no momento em que entrava em contato com uma pessoa, sabia ser empática, ouvia problemas sem tédio e fazia o possível para resolver suas carências.Assim, sua vida era uma constante dedicação aos outros e, principalmente, aos que foram abandonados e que não recebiam respeito pela sociedade.
            Impossível conviver com ela e não ser influenciada por esse comportamento, sendo que ela trazia essas pessoas para dentro da nossa casa, eram aulas práticas e constantes de socialismo. Não percebia que a admirava por ser assim e a imitei durante toda a minha vida, cada vez mais. E confesso: nunca cheguei a ler as obras do Marx.
            Dedico esse texto a todas as pessoas que estão nesse mundo e possuem um olhar de atenção e preocupação para as desigualdades que as rodeiam, que sentem empatia por todos os abandonados, humilhados, perseguidos pelos preconceitos, os que têm fome de comida e afeto. Aos que saem do seu quadrado e percebem os que vivem no desespero constante. Aos que estendem a mão. Aos que seguem e praticam os verdadeiros ensinamentos de Jesus, o socialista que não é reconhecido como tal, mas talvez o maior e mais autêntico deles.

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