sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A Ilha da Imaginação ou A Ilha de Nim


Nim vive em uma ilha perdida no imenso mar azul-turquesa com seu pai biólogo-marinho, Jack, um iguana-marinho chamado Fred, uma leoa-marinha chamada Selkie, uma tartaruga chamada Chica e uma antena parabólica para enviar e receber e-mails. Ela e o pai moram num endereço desconhecido para o resto do mundo. Mas quando Jack desaparece com seu barco a vela, na busca de um protozoário raro, a catástrofe ameaça sua casa e Nim tem de ser corajosa e executar tudo que aprendeu com o pai, já que a mãe foi engolida por uma baleia quando ela era bebê. Vai precisar da ajuda de seus velhos amigos, e de novos também, como a escritora de livros de aventura com seu herói preferido, Alexandra Rover, que vive também ilhada, mas num apartamento em uma grande metrópole, solitária e cheia de fobias.


Ok, pode parecer o roteiro de um filminho da sessão da tarde, mas é um dos melhores filmes "infantis" a que já assisti, cheio de arquétipos, o que faz com que nos identifiquemos com todos ou quase todos eles.
Coloco aqui alguns insights que tive com ele, compartilhando e esperando que os que também assistirem, deixem suas impressões. Na verdade, meu texto é um spoiler, então se pretendem ver o filme sem saber dos detalhes, leiam meus comentários mais tarde...

1) É básica a colocação de que ambas as heroínas do filme vivem em ilhas: uma delas, selvagem do ponto de vista da constituição física, com a Natureza nua e crua construindo a paisagem onde Nim e o pai se estabeleceram, sem alterar o ambiente, mas adaptando-se à geografia do local ("ecologicamente corretos"). Isolaram-se num universo particular, escondidos da civilização, usufruindo a Vida, não lutando contra ela.
A outra ilha é um ninho dentro da selvageria da metrópole, que engole seus habitantes através dos detonadores de stress constante: as doenças, a poluição, a violência, as máquinas em movimento permanente, fazendo com que Alexandra se isole em seu apartamento, com medo de enfrentar a agitação do exterior, praticando ali todas as suas atividades, mas escondendo-se da Vida.

2) Alexandra sofre de várias fobias e não consegue sair de sua ilha.
Nim é livre e feliz na sua ilha, nem passa por sua cabeça um dia abandoná-la.

3) Alexandra criou uma persona para viver as aventuras (Vida) que ela teme, mas ansia.
Quando rompe seu casulo para correr na direção de Nim, é o sentimento maternal que grita mais forte dentro dela: uma criança desprotegida, abandonada, ferida, precisando de ajuda, faz com que ela supere seus medos, abra a porta e se lançe no desconhecido.
O elo que une as duas é um sentimento tão forte quanto o que une Nim e o pai, que mesmo perdido em alto-mar, supera todos os problemas para voltar à ilha e encontrar novamente a filha.
Acho muito positivo que a força desses sentimentos seja mostrada às crianças, hoje muito desprovidas de valores, como o Amor Incondicional.

4) Quando um grupo de trambiqueiros descobre a posição da ilha e a invade pensando em negócios e lucros financeiros, percebemos o choque de interesses: o santuário natural prestes a ser agredido e poluído pelos procedimentos do capitalismo selvagem (a selvageria da civilização irrompendo na selvageria da Natureza).
A chegada da excursão de farofeiros é hilária (a parte mais divertida do filme), com personagens caricatos (mais arquétipos), cometendo toda a sorte de sandices e comportamentos destrutivos (não para eles, claro, mas para a ilha).
É nesse momento que Nim usa todas as habilidades que tinha suspensas dentro de si, procurando defender seus domínios e também tem um primeiro contato físico com outro ser humano, que não seus pais: um garoto tipicamente mundano.

5) Esse mesmo garoto é o único entre todos os passageiros e tripulação do navio-cruzeiro que tem contato com ela e que garante à Alexandra a existência da menina.
As crianças vêem aquilo que nós, adultos, não mais enxergamos, porque perdemos a fé a e a passagem para a dimensão da fantasia. Por isso, elas são sábias e sabem de muitas coisas que os adultos não conhecem (ou esqueceram, durante seu obtuso e truncado trajeto para a idade da razão).

6) É clara a observação da jornada de Alexandra: ela sai dos EUA com a mala cheia de latas de sopa, gel anti-bactericida, armaduras que supostamente a protegeriam dos flagelos do mundo. Mas, à medida que vai enfrentando desafios simbólicos - o vôo nauseante do avião, as dificuldades de comunicação, o helicóptero no meio da tempestade, o resgate pelo navio e o roubo do bote que a atira no meio do mar revolto - ela vai se despojando de objetos que apenas a serviam na sua ilha particular.
Quando finalmente ela consegue chegar na ilha natural, tem apenas a roupa (quase destruída) grudada em seu corpo. Todas as suas âncoras foram perdidas no trajeto e a nova âncora que surge é a mão de Nim que a retira, numa última etapa , de seu casulo protetor.
Ela desabrocha com uma nova identidade, como a borboleta que nasce.
Interessante notar que sua principal ligação com o mundo, o personagem de seus livros, Alex Rover, também desaparece, pois ela não precisa mais dele

7) Nim também sofre transformações, pois em sua jornada, precisou sobreviver sozinha, sem o amparo da figura paterna e teve seus primeiros contatos com o outro, o estranho, nascendo para um novo relacionamento, o amor materno, simbolizado na figura de Alexandra, que também necessitava manifestar esse sentimento.
Ao receberem Jack, também retornando de sua jornada de crescimento, completam o triângulo: o pai, a mãe e a filha, representando esse trio, os detonadores que impulsionam a criação de uma nova semente para perpetuar a espécie.

É maravilhoso perceber como as narrativas fantásticas contam de uma maneira fascinante a nossa jornada em busca do auto-conhecimento e da evolução.
Um item adicional: na trilha, músicas das bandas Talking Heads e U2.
E as imagens são belíssimas!

P. S.: O filme é baseado no livro A Ilha de Nim, de autoria de Wendy Orr, com ilustrações de Kerry Millard, sendo que algumas delas aparecem na tela. Vou comprar voando para minha filha (e para eu ler, é claro... rs).
Para quem quiser conferir:
http://www.brinquebook.com.br/livro.php?id=304

Um comentário:

Carla Beatriz disse...

Vera,

Que interessante, fiquei curiosa em assistir a esse filme!

Beijos

P.S. Já estou recuperada de minha virose. Vamos marcar outro encontro?