quinta-feira, 17 de junho de 2010

Enxergando o óbvio


É interessante notar que profissionais da saúde, cautelosamente, fazem críticas à indústria farmacêutica e à OMS - isso é um bom sinal de mudança, pois é difícil as pessoas reconhecerem falhas no sistema que julgam competente.

Vejam o texto produzido pelo médico e escritor Moacyr Scliar, grande defensor do sistema médico vigente, na ZH de 12/06/10:

Saúde e indústria: a imprecisa fronteira

É coisa muito antiga: epidemias costumam mobilizar a paranoia das pessoas, que não raro veem na doença o resultado de uma conspiração maligna. Quando a sífilis apareceu na Europa, no começo da modernidade, os franceses falavam em “doença italiana”, mas para os italianos tratava-se do “mal gaulês”. Os portugueses temiam a “doença castelhana”, mas para os poloneses o terror era a “doença alemã”, e, para os russos, a “doença polonesa”.

Os mesmos temores se estendem às vacinas, várias vezes recusadas. No caso da gripe, e da vacina antigripal, surgiram os mais desencontrados boatos, que a internet ajudou a disseminar pelo mundo inteiro.

Mas nem toda suspeição é paranoica, como mostra um editorial publicado no respeitável British Medical Journal (BMJ) no início deste mês, acerca da gripe suína. A devastadora epidemia que muitos anunciavam felizmente não ocorreu; e as compras de enormes quantidades de medicamentos antivirais, como o oseltamivir, resultaram desnecessárias.

Claro, sempre podemos dizer que, nessas situações, é melhor sobrar do que faltar; o problema é que o dinheiro aí empregado poderia ser melhor usado em outras áreas. Por causa disso, o BMJ e o Bureau of Investigative Journalism promoveram uma investigação privada e mostraram, entre outras coisas, que:

1) Alguns dos técnicos e cientistas que assessoraram a Organização Mundial da Saúde (OMS) acerca da possível pandemia tinham ligações financeiras com companhias farmacêuticas fabricantes de produtos usados no combate à gripe;

2) A OMS constituiu um comitê de emergência para assessorar a diretora-geral, Margaret Chan, acerca dos critérios que proclamariam a existência da epidemia, um evento que inevitavelmente elevaria o preço dos produtos antivirais. Os nomes de pessoas componentes desse comitê foram mantidos em segredo.

Conclui o relatório da investigação: “Faltou transparência ao processo decisório no caso da gripe A H1N1”.

Vamos deixar clara uma coisa: ninguém foi prejudicado diretamente por tal processo decisório. Mas isto remete à questão do relacionamento da área técnica com a indústria. E lembra que há 30 anos, em 1980, Arnold Relman, que era então editor do influente New England Medical Journal, publicou naquele periódico um trabalho que fez história e que se intitulava O Novo Complexo Médico-Industrial, uma analogia à expressão antes usada pelo presidente Dwight Eisenwoher, “complexo industrial-militar”. Dizia Relman: “Este novo ‘complexo médico-industrial’ cria problemas de uso excessivo de serviços, demasiada ênfase na tecnologia, e pode exercer influência indevida na formulação da política de saúde”.

Um alerta que, convenhamos, pode se ter revelado profético.

Doutor, discordo da afirmação: "Vamos deixar clara uma coisa: ninguém foi prejudicado diretamente por tal processo decisório."
A existência e repetição diária da palavra PANDEMIA deixou milhares de pessoas ansiosas, assustadas e desesperadas; algumas por não conseguirem tomar a tal vacina (não estavam no grupo de risco), outras amontoando-se em filas extensas e uma grande parte tendo dúvidas entre vacinar-se ou não. O prejuízo psicológico foi extenso - anunciar uma pandemia para obter mais lucros na venda de medicamentos causou muitos danos, sim!


Outro texto relacionado com excesso de medicamentos:

EFEITO INVERSO - Antibióticos diminuem resistência

O que seria um gesto para melhorar a saúde das populações pode produzir um efeito inverso. Os esforços dos países desenvolvidos para melhorar a saúde nos países pobres por meio do fornecimento de cada vez mais tratamentos contra doenças infecciosas acelerará a resistência dos micróbios aos antibióticos, revela um relatório publicado ontem.

Durante os últimos anos, as organizações governamentais desenvolvidas do mundo e os grupos privados de ajuda se mobilizaram para permitir que os países pobres tivessem acesso a tratamentos contra a malária, o vírus da aids ou ainda a tuberculose, destacou o estudo do Centro para o Desenvolvimento Global, uma organização não governamental situada em Washington (EUA).

A distribuição abundante de tratamentos certamente salvou inúmeras vidas, mas também influenciou na crescente resistência a doenças infecciosas, o que poderia ter sido evitado com um controle maior, acrescentaram.

– A resistência aos antibióticos é um fenômeno natural, mas que não é levado a sério no momento da distribuição e da utilização dos medicamentos, acelerando o processo – lamentou Rachel Nugent, presidente do grupo de trabalho que preparou o relatório.

Publicado em ZH de 16/06/10

O texto auxilia a explicar porque crianças que são tratadas constantemente com antibióticos (obviamente, adultos também, mas as crianças são mais frágeis e com o sistema imunológico em formação), não conseguem obter sucesso com esse tratamento por muito tempo e passado alguns dias ou semanas, voltam a ter o mesmo problema.
Ou seja: baixa resistência a doenças infecciosas.
Antigamente, tomava-se um antibiótico quando o caso era gravíssimo e tais casos eram raros; hoje, toma-se antibiótico até para tratar unha encravada!
Tornou-se uma banalidade, que não faz mais efeito e o "paciente" tem que tomar medicamentos cada vez mais fortes e agressivos...

2 comentários:

Patrícia Helena Sabbag Calegari disse...

Amei o seu blog.
Estou começando agora a conhecer o mundo dos blogs ...

Vera Falcão disse...

Fico feliz, Patrícia! Espero que tenhas outras boas surpresas na tua viagem pela blogosfera...