Friday, November 28, 2008

Catástrofes e ética

















Muita gente está aproveitando-se da tragédia que acontece em Santa Catarina para se dar bem e além das pilhagens, estão praticando golpes, como o que ocorre em Blumenau, onde por telefone uma pessoa identifica-se como da Defesa Civil ou da prefeitura local; em seguida, pede depósito em dinheiro ou comprometendo-se a mandar um motoqueiro recolher a doação. A pessoa libera o dinheiro e o motoqueiro some.
Outro perigo do momento são os falsos sites da Defesa Civil, informando sobre contas bancárias que levarão sua contribuição solidária para bem longe dos flagelados...

Essas atitudes me levaram a pensar sobre ética, sobre valores como honestidade, solidariedade e amor ao próximo, que parecem estar em desuso no planeta (sem desmerecer a atitude de centenas de pessoas que estão colaborando).
Mas gostaria de refletir aqui sobre o comportamento de seres humanos que aproveitam a desgraça alheia para tirar proveito próprio, o que é bastante comum, não só durante catástrofes e tragédias coletivas, mas, por exemplo, empresas que comercializam produtos que prejudicam ao consumidor visando unicamente o lucro, sem importar-se com consequências desastrosas.

Então, para auxiliar a reflexão, reproduzo aqui um texto intitulado "O exercício da ética", com autoria de Eugenio Mussak, publicado originalmente na Revista Vida Simples:

“Ética é uma qualidade adquirida ao longo da vida? Se sim, como uma pessoa pode mudar sua relação com o mundo?”

"No filme Antes de Partir (imperdível), dois homens (os grandes Jack Nicholson e Morgan Freeman) na casa dos 70 anos são informados por seus médicos que têm pouco tempo de vida. Nicholson faz o papel de um milionário sem caráter e Freeman, o de um homem nobre e sábio. Este elabora uma lista de coisas que gostaria de realizar “antes de partir”, o outro gosta da idéia e ambos saem pelo mundo em busca das aventuras que não tiveram tempo ou condições de realizar ao longo de suas vidas.

Uma das cenas mais tocantes acontece quando ambos observam as pirâmides no Egito e o personagem do Freeman conta que os antigos egípcios tinham uma bela crença sobre a morte. Quando suas almas chegassem ao céu, os deuses lhes fariam duas perguntas, cujas respostam determinariam se eles seriam ou não admitidos. A primeira pergunta era: “Você foi feliz nesta vida?” E a segunda: “Sua vida fez outras pessoas felizes?” Bastava que uma das respostas fosse negativa para que a alma fosse condenada à danação eterna.

Olhando a cena mais de perto, notamos que ela trata exatamente do tema da ética, pois as duas perguntas definem com precisão o significado de uma relação construída sobre bons princípios – atender a seus próprios interesses sem prejudicar os interesses dos outros.
Ética é algo que pode – e deve – ser aprendido, pois, quando nascemos, só temos instintos, e estes defendem nossos interesses pessoais. Desenvolvemos ética enquanto amadurecemos e viramos pessoas que se relacionam com os outros. E aprendemos a partir do comportamento daqueles que nos servem de modelo, a começar por nossos pais, que inauguram a lista de influências que teremos ao longo de nossas vidas.

Depois virão os professores, os artistas, os ídolos do esporte, os chefes no trabalho e todo o conjunto de indivíduos que formam o que chamamos de sociedade. E aprendemos muito mais a partir de exemplos que começamos a imitar que a partir de instruções, pois estas, sem exemplos de conduta, são vazias. É claro que o estudo, a literatura e a história também são formadores de pensamento ético, pois através deles conhecemos exemplos de experiências anteriores, que servem de guia para imitações ou repúdios.

Em todos os ambientes, a ética é importantíssima, não construímos uma sociedade que não preste atenção nela. Mas, afinal, qual sua origem, sua explicação lógica?
Várias vezes já me pediram definições de ética e sempre procurei as respostas nas fontes clássicas. Os gregos diziam coisas variadas, de “lugar seguro onde convivemos com nossos iguais” a “código de conduta que dá harmonia aos relacionamentos” e a “estado da mente que nos aproxima dos deuses”. Criativos, os gregos. É que a palavra ética deriva do grego ethos, que significa tanto costume ou hábito quanto caráter, mas também tem o sentido de habitação. Portanto, poderíamos dizer que ética pode significar o conjunto de hábitos que permitem o convívio entre as pessoas.

Os romanos definiram ética como um código de conduta que facilita o relacionamento humano e permite a criação de um ambiente dotado de equilíbrio, justiça, progresso e harmonia. Era assim que eles queriam criar uma cultura que fosse a base de uma civilização inteira e Roma só entrou em decadência quando a ética passou para a categoria das coisas menos importantes, por culpa de alguns imperadores corruptos e devassos.

O cristianismo também foi importante nessa matéria, e acertou em cheio quando adotou o lema “faze aos outros o que desejas que façam a ti”. Estava, na verdade, falando de ética. Aliás, a ética, que é construída a partir de instruções e exemplos, tem três fontes bem definidas: a religião, as leis e a moral. De certa forma, a religião e as leis impõem uma conduta ética, pois estabelecem limites para as ações e definem castigos para a desobediência. Já a moral, essa considera a ética como uma virtude que se basta por si mesma. Nesse caso, referimo-nos à ética como uma espécie de “filosofia moral” – esse é seu melhor formato.

Em um dos Diálogos de Platão, Sócrates conversa sobre ética com Glauco e lhe diz: “Esse assunto diz respeito ao que há de mais importante: viver para o bem e viver para o mal”. A visão do filósofo era de que maneira como convivemos em conjunto será determinante para a criação da grande razão de ser de cada um de nós: a busca da felicidade. Esta, dizia ele, não é uma dádiva divina sem sentido. É uma espécie de recompensa a um esforço conjunto, em que a felicidade de um reflete-se na felicidade dos demais, alimentando um estado permanente de criação do bem-estar e da elevação espiritual. Esse é o campo da ética.

Ética boa, ética ruim

Sem dúvida, prestar atenção na ética vigente é uma condição indispensável quando convivemos com pessoas em um ambiente, em qualquer âmbito. Todas as organizações, por exemplo, trabalham em cima de uma ética, que às vezes está clara, às vezes não – nesse caso, ela existe de qualquer maneira, e os “habitantes” a praticam silenciosamente.

O que tem de ficar claro é que um código ético está sempre presente em agrupamentos humanos, o que não quer dizer que ele seja sempre bom. No crime organizado, por exemplo, há uma ética regendo as relações entre os participantes, ainda que em seu arcabouço encontrem-se comportamentos de contravenção.

Apesar disso, ética sempre existe, pois é próprio das ações grupais que se estabeleça o “código de ética”, a partir do qual as pessoas passarão a se comportar. Está claro, então, que um código existirá de qualquer maneira, por isso a preocupação com a criação de uma ética boa, moral, saudável, em ambientes controlados, como escolas, empresas associações e, claro, famílias.
Seu reflexo será sentido na sociedade como um todo.

De fato, há empresas nas quais a ética não é exatamente exemplar. Mas uma empresa assim, com uma ética não moral – ou aética –, não deve servir para se trabalhar. E ponto. A construção de uma carreira deve ser maior que um emprego, por isso o alinhamento com uma ética adequada é fundamental. No filme Conduta de Risco, com George Clooney, há um exemplo espetacular sobre o tema.

Clooney representa um advogado chamado Michael Clayton. Ele trabalha em um grande escritório de Nova York, especializado em defender empresas que, para atingir seus objetivos, não pensam duas vezes antes de agredir a natureza, os interesses coletivos ou a lei. Os advogados que trabalham nesse escritório são considerados “faxineiros” – limpam a sujeira dos outros.

É claro que nosso herói acaba deparando com um desses momentos da vida em que os valores estão em jogo mais que os interesses mundanos. Em meio a uma imensa crise pessoal, ele se vê diante da grande decisão de sua vida: defender os interesses de uma empresa/cliente, e assim favorecer seus acionistas, ou optar pela verdade e privilegiar a sociedade. Não vou contar o fim – veja o filme.

Sim, as organizações têm influência sobre o comportamento das pessoas, mas, independentemente disso, deve ser preservada a ética individual, representada pela maneira como as pessoas devem tratar umas às outras e como devem se portar diante da organização ou categoria profissional em que estão inseridas.
O comportamento ético pode provocar choques culturais, especialmente num país como o nosso, onde vigorou durante muito tempo uma tal “Lei de Gerson”, baseada em um comercial de cigarros que dava como sinal de competência o “levar vantagem em tudo” – ou, traduzindo: interesses pessoais acima dos interesses coletivos.

Temos um senso comum, desde a época do descobrimento do Brasil, de que cometer pequenos delitos é perfeitamente justificável, como sinal de esperteza ou de inteligência. É uma característica da moral dicotômica de nosso país, mas que vem sendo modificada felizmente – e isso está ocorrendo por iniciativa dos cidadãos, que estão cada vez mais conscientes.

Sabemos que somos éticos de acordo com algumas pistas.
Pense sobre o que você prefere:

• Ser honesto em qualquer situação;
• Assumir sua responsabilidade em qualquer circunstância;
• Agir sempre de acordo com os seus princípios e valores;
• Usar de humildade, considerando que você pode errar e que seus acertos nunca serão apenas seus;
• Considerar as verdades dos outros, evitando emitir juízos precipitados.

Acredite, o exercício da ética boa dignifica o ser humano.
Sem ela, o mesmo embrutece.
A importância da conduta ética em todos os tipos de relações é cada vez maior, pois a ética organiza o comportamento, torna possível a convivência e forma o substrato para o desenvolvimento das pessoas em sociedade.
E é também a ética que, em sua manifestação espontânea e justa, determina as bases da felicidade, que nunca pode ser individual, egoísta, solitária.

Como disse Einstein: “A relatividade se aplica à física, não à ética”.
E ponto final!

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