Thursday, June 11, 2009

Sombra e Luz


Durante a semana, assisti a dois filmes que têm uma temática semelhante: ambos abordam o nazismo e o holocausto dos judeus, mas de uma maneira que nos leva a ver a questão sob outros prismas, não só aos que estamos acostumados a focar: os malvados soldados da SS e a dos infelizes prisioneiros dos campos de concentração.
Ambas as histórias investem na versão de que nem todos os alemães sabiam o que estava ocorrendo nesses lugares de horror e que aqueles que discordassem da política adotada pelo governo do Führer, teriam igualmente um fim terrível.

São eles: O Leitor e O Menino do Pijama Listrado.

Confesso que o segundo me emocionou mais, por envolver crianças e o ponto de vista inocente que, até uma certa idade, elas têm de tudo (antes de serem contaminadas pela realidade que os adultos criaram). Mas como esses adultos também já foram um dia crianças e inocentes, quem deu início à contaminação? ...

Em O Leitor, questiona-se a participação dos trabalhadores alemães envolvidos na administração dos campos (não militares, mas guardas civis, responsáveis pela rotina diária desses lugares e recebendo ordens de superiores - numa época em que era difícil conseguir emprego).
Se observarmos a situação, sem julgarmos ou tomarmos partido, a mulher que recebeu a maior parte da "culpa" no julgamento, cumpria o que ela julgava ser sua obrigação e isso ela transmite de uma maneira bem objetiva, na pergunta que faz ao juiz, quando este questiona suas atitudes: "o que o senhor teria feito?"
Silêncio. O juiz não soube responder prontamente. E depois disse: "Existem coisas a que não se pode simplemente dar consentimento e às quais temos que nos recusar, se não custarem o corpo e a vida." Numa situação de guerra, a desobediência envolve o preço da própria vida...

Como ver atrocidades cometidas à sua frente diariamente e permanecer impassível, cumprindo regras? Creio que naqueles locais, cada um tratava de salvar a sua pele da melhor maneira possível (no filme do menino, observamos que judeus presos ajudavam a transportar os colegas para os fornos, lacravam as portas, enfim, colaboravam com o "serviço" - poderiam ter dito não e certamente, já estariam mortos).

O que fica fortemente registrado em ambas as películas é o limite tênue que existe entre o Bem e o Mal (a própria definição do que seria cada um deles não é precisa e transparente) e de que a espécie humana tem em si guardada - pronta a explodir - a bestialidade.

Assisti ao O Menino do Pijama Listrado novamente, na segunda vez com minha filha de 10 anos; antes, dei a ela uma panorâmica da situação política da época na Europa, a decadência econômica e social do povo alemão e alguns motivos pelos quais ele teria endeusado Hitler - ela ficou perplexa de como uma única pessoa conseguiu manipular milhares! O filme é uma aula de História não tradicional - mostra a versão de cada envolvido naquele momento histórico: o soldado de carreira em ascensão acreditando que estava lutando para fazer a Alemanha voltar a ser grande, sua mãe que era contrária ao que estava acontecendo e repudiava o filho, a esposa que desconhecia os horrores e quando descobre, enlouquece aos poucos, o filho que achava que o campo era uma fazenda e lá passavam o dia jogando e brincando, o soldado que não denunciou a insatisfação política do pai e por isso foi punido, o menino de pijama listrado que tinha muita fome e julgava que queimavam roupas velhas nos crematórios.

São filmes para assistir com a mente aberta, livre de posicionamentos; procurando não limitar-se a conceitos de "certo" ou "errado" - obviamente, crimes bárbaros foram cometidos - mas ter uma visão geral, distanciada e singular, ajuda a entender como tudo começou, evoluiu e terminou.

Para assimilar porque um garoto diz: "Engraçado como os adultos não conseguem decidir o que querem ser. É como o Pavel. Ele era médico mas desistiu de tudo para descascar batatas" (Pavel era um judeu prisioneiro e que trabalhava na casa onde a família do garoto alemão estava alojada, situada ao lado do campo de extermínio).

E um fragmento do que pensava Michael Berg, de O Leitor, anos após assistir ao julgamento de Hannah e outras guardas de um campo de concentração: "Ao mesmo tempo me pergunto e já me perguntava naquela época: o que a minha geração deve e deveria fazer com as informações sobre as atrocidades do extermínio dos judeus? Não devemos ter a pretensão de compreender o que é incompreensível, não temos o direito de comparar o que é incomparável, não temos o direito de investigar, porque quem investiga, mesmo sem colocar nas perguntas as atrocidades, faz delas objetos da comunicação, não as tomando como algo diante do que só se pode emudecer, horrorizado, envergonhado e culpado.
Devemos apenas emudecer, horrorizados, envergonhados e culpados?
Com que fim?
Não que o ímpeto da revisão e do esclarecimento em que eu tomara parte no seminário simplesmente tivesse se perdido. Mas uns poucos sendo julgados e condenados e nós, a geração seguinte, ficando mudos, horrorizados, envergonhados e culpados - deveria ser assim?"
(O Leitor - Bernhard Schlink - Editora Record )

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