segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Meu primeiro tiroteio


Antigamente, guardávamos na memória momentos como "a primeira professora, o primeiro sutiã, o primeiro beijo, a primeira saída sem os adultos, a primeira relação sexual" e por aí afora... atualmente, temos que incorporar a essas recordações, fatos como o primeiro assalto (já vivenciei há alguns anos atrás, com uma faca nas costas e a perda de todo o meu salário que estava na bolsa) e o primeiro tiroteio (hoje assisti a ele, alguns metros à frente dos meus pés, em zona movimentada e sob a luz do sol).

Sob o impacto do início do horário de verão (dizem que ele não causa transtornos, mas eu estava caindo de sono e foi difícil abandonar o conforto das cobertas), saímos para a escola, a filhota e eu. Sempre caminhamos pela elevada da Borges de Medeiros e hoje, resolvi mudar o caminho e irmos pela avenida paralela, que é cheia de árvores e estava ensolarada.
Ainda bem, porque estaríamos frente a frente com um sujeito atirando em outro e a mudança de roteiro nos colocou a meia quadra de distância do crime. Isso não evitou o susto e a perplexidade: assim, de manhãzinha, com todo esse trânsito de veículos e pessoas? Quando vimos o tiroteio (o som lembrava o estouro de bombinhas de festa junina) parecia que assistíamos a uma cena de filme: a vítima caída no chão, numa poça de sangue, o assasssino correndo para baixo da elevada, alguns minutos depois a chegada dos policiais cavalgando suas motocicletas!

Asssiti a tantos episódios de CSI, Criminal Minds, Monk e outras séries policiais que coisas como essas acabaram revestindo-se de uma aura ficiconal. Ler nos jornais e assistir aos noticiários da TV também não te preparam para quando a violência passa à tua frente...

O pior de tudo é que logo episódios como esses irão banalizar-se (já são banais para muita gente, é verdade), assim como a miséria exposta nas ruas tornou-se banal.
Quando a epidemia de AIDS surgiu, era um acontecimento distante, ocorrendo no outro lado do mundo e parecia que nunca iria chegar até o nosso bairro. Hoje, já perdi duas pessoas queridas, uma delas a quem muito amava, levadas pelas complicações dessa praga. Aos poucos, as outras pragas vão se aproximando da porta de nossas casas, trazendo a sombra para perto de nós.

Temos que encarar a Sombra que nos aterroriza.
E fazer alguma coisa para que ela não se alastre totalmente e engula a Luz.



Atualizando:

"Foi sepultado na tarde de ontem o corpo do jovem Jonas Luís Trindade Antunes, 21 anos, baleado na manhã de segunda-feira no Viaduto Açorianos, no centro de Porto Alegre. Atingido por um tiro na cabeça, Jonas morreu na manhã de quarta-feira, no Hospital de Pronto Socorro, onde estava desde que foi socorrido.
De acordo com a Delegacia de Homicídios, a hipótese mais provável é de que Jonas tenha sido vítima de uma execução".

Publicado num cantinho da página de ZH de 22/10/2010.

Ficaram as marcas de sangue na calçada onde o corpo de Jonas caiu... certamente, agora estão desaparecidas, assim como a sua existência nesse mundo e a importância do ocorrido está soterrado pelo surgimento de novos e corriqueiros casos de violência.

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