quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Fragmentos


Maysa, no momento, está sendo descoberta e redescoberta pelos brasileiros, através da minissérie global sobre sua vida e obra.
Já comentei em: http://compartitura.blogspot.com/2009/01/maysa-gata-transgressora.html

Agora e aqui gostaria de abordar o fenômeno que toma conta das pessoas quando uma figura pública fica em evidência, principalmente quando esteve no ostracismo por muito tempo, sendo cultuada em silêncio (por "silêncio" e "ostracismo" leia-se "longe da mídia", pois o que está longe dela não existe - outro fenômeno interessante a ser comentado).

Surge um grupo que parece reter todas as informações sobre o mito, são enciclopédias vivas e desdenham e criticam aqueles que não sabem tanto, menosprezando especialmente os neófitos - o grupo de novos fãs, na maioria jovens, que entraram em contato pela primeira vez com o ícone, apaixonando-se à primeira vista.
Os primeiros são passionais e ciumentos, como se gritassem "a fulana é minha, ninguém tasca, eu vi primeiro...", não querendo que ninguém mais a cultue com a mesma intensidade.
Existe também o grupo de admiradores menos fanáticos, que apreciam o trabalho e a personalidade da figura, conhecem sua obra e alguns fatos de sua vida, mas não são detentores de todos os detalhes de sua passagem pelo planeta.

Esses três grupos agitam-se em volta do trabalho conjunto de Manoel Carlos e Jayme Monjardim, cada um tendo uma preocupação diferente sobre a veracidade dos fatos e a interpretação da atriz Larissa Maciel.

Quanto à veracidade dos fatos: uma biografia foi escrita - Maysa: só numa multidão de amores, por Lira Neto - os créditos da minissérie a citam como "consulta bibliográfica" (apesar do roteiro ser de Manoel Carlos); como disse o autor, pode escrevê-la com autenticidade ante o enorme recurso oferecido a ele pelo filho da artista: os arquivos pessoais (diários, recortes, anotações, lembranças) de Maysa, escancarados e reveladores.
Mas aí entra a tesoura da edição: a seleção desse material, conforme o ponto-de-vista, preferências, o ângulo de visão e de que forma e com que intensidade se quer mostrar determinada notícia aos outros (o público).
Por exemplo, suponhamos que um bilhete escrito pela cantora seja ignorado pelo autor, achando-o insignificante para o contexto da história; talvez outro escritor considerasse esse bilhete tremendamente importante, contendo uma particularidade essencial para a compreensão da personalidade da biografada.
Esse exemplo imaginário serve apenas para ilustrar como pessoas diferentes enxergam de forma diferente (como no poema de Kipling, ”Os cegos e o elefante”, cada pessoa que nos conhece nos enxerga de uma forma diferente - somos camaleões).

Logo, também o roteirista, o diretor, a atriz que encarnou Maysa, enfim todos os envolvidos com a minissérie têm a sua versão da cantora (fazem a sua edição) E a união de todas elas criou o que assistimos na tela da TV. E ao recebermos a mensagem fazemos nós também a nossa decodificação, conforme repertório individual, a saber:

1) o fã de carteirinha - "mas não é nada disso, ela não era assim, isso não é verdade..." - ressentido;
2) o neófito - "que mulher incrível, que voz, que doida..." - deslumbrado;
3) o admirador - "é uma artista maravilhosa, que ótimo que suas canções estão sendo apresentadas às novas gerações..." - embevecido.

Os primeiros preocupam-se com detalhes, os segundos ficam de queixo caído com a novidade (o cenário artístico brasileiro está imóvel mesmo, não surge nenhum artista de peso e talento real) e os terceiros saboreiam a presença dela na mídia.

Maysa, assim como todas as pessoas que se tornam propriedade pública, é um mix de tudo que mostram, falam, inventam; é a mistura de todas as visões, de como seus pais, amores, filho, fãs, rivais, amigos e jornalistas a enxergaram e enxergam - parcialmente, pois cada um percebe e liga-se mais no aspecto com o qual se identifica ou tem maior interesse. Um exemplo: quando Maysa, na minissérie, lê uma poesia para a mãe, onde fala de sua inquietude e busca por um sentido na vida, ela simplesmente, não ouve e não entende as palavras da filha e parte para um discurso ortodoxo sobre como uma mulher deve tratar o marido e de como deve comportar-se adequadamente como esposa e dona-de-casa. Você foca aquilo que te convém, o que não te interessa você ignora, não escuta, não assimila...

Pois somos todos um mosaico, feito de milhares de pedacinhos que unidos contam nossa história... e quem conseguiria recolher todos esses pedacinhos com exatidão milimétrica e reproduzir a figura original?
Pois se, às vezes, até para nosso diário mais íntimo mentimos (ou distorcemos um pouquinho a verdade...).

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